Tempestade anunciada

Mundo estapafúrdio
que eu repudio.
Sinto nas pregas das costas
a dor de existir agora.
Pouco aproveito,
insisto na negação,
na prisão de estar nele
desejando estar longe
[“Longe, longe, outra estação”].
O nó na garganta
na imanência de emergir
com a tempestade
que se auto-anuncia:
relâmpagos, trovões,
céu maravilhosamente cinza,
o canto das nuvens sobre nossas cabeças
e os tiros da natureza que
amarelam o céu e amedrontam
a quem tem medo da chuva.

Mas eu não.

Não tenho medo.
Resisto
(porque tenho que fazê-lo)
e insisto
e não morro
(não ainda).
E não quero:
morrer ou ter que resistir,
mas,
preciso tanto
como os peixes precisam da água,
como os pássaros precisam do céu,
como a chuva precisa cair das nuvens,
como o sol precisa ser quente,
como as plantas precisam estar e(ntre)m nós.

Mas corta-me.
Existir corta-me,
danço caretas de mim
que tanto cansam
há tantos anos
com tanta força
e tanto esforço
em não fazer,
não ser,
mas
eu nunca consegui
(e sofri tantas vezes por isso).

Continuo.
Porque cortar-se
arde
e
no arder-se
corta-se de novo
já que, diariamente,
e impossível fugir
literalmente.

E ainda.

Mas vejo um brilho de um sol de inverno,
uma brisa de primavera com cheiro de flores silvestres,
sinto o ar gélido de um outono calmo
e sinto a textura das folhas mortas
e úmidas pelo chão.

(Do norte.)

Viverei para ver, para sentir, para poder dizer que estive lá e que vivi o que

preciso
busco
penso
mereço
desejo
choro
sinto
espero
corro,

porque sem isso,
sem isso eu,
sem isso eu não,
sem isso eu não me sei,

eu não sei viver
e não posso,
não quero.

Não dá.


Thay Bettini

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