Tudo o que aqui escrevo é resultado da dor

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor, tu herdarás só o cinismo
Quando notares, estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés

(Cartola)

No meu silêncio e na penumbra, onde lá dormem todos os fantasmas acordados por demônios em cada manhã, acordados por cada distância de quem disse que estaria por perto, por cada esquecimento, cada promessa não cumprida, cada julgamento por estar “indisposta” de quem disse que entendia, cada silêncio, vácuo, resposta nunca recebida, parabéns nunca escutado, “você nunca tem tempo”, “eu sabia que você não estaria aqui”, “parece que o que você diz muitas vezes não tem sentido”, “você não entende”, “sua situação é diferente da minha”, “pra você é mais fácil”, “você tem uma pessoa em quem se apoiar”, “você tem amigos, no meu caso…”, “tenho casa, cama, água e comida, está tudo bem”, “não te chamo mais pra nada”, “você nunca pode”, “geralmente é você quem nunca pode”, “eu não concordo com tudo o que você diz”, “eu não concordo”, “eu já sabia”, “eu sonhei com ela”, “você não sabe o que eu estou passando”, “você é um ser humano podre”, “eu sempre confiei em você”, “você foi a primeira pessoa que eu recebi em minha casa”, “você poderia ter falado de outra forma”, “você é a única pessoa que eu enviaria uma carta”, (eu vou fingir que você fez uma longa viagem e vai demorar a voltar), “é por isso que a sua vida não vai pra frente”, “eu não tô entendendo”, “eu tô muito chateada com você, e é COM VOCÊ”, “não liga pra isso, não, vai ficar tudo bem”, “você não precissa se preocupar com isso, não”, “você é muito complicada”, “por que você tá chorando?”, “ai, chora pelo meu também”, “sim, eu me apaixonei por ela, mas passou”, “sua mãe não é o que você pensa”, “eu conheço ela há 40 anos”, “eu tenho mais experiência do que você”, “tive uma amizade tóxica”, “você é um ser humano podre”, (não, eu sei que não somos perfeitos e não se trata disso, mas se trata de a maioria das pessoas com as quais você se envolve nunca reconhecerem que você está dando o melhor que pode desde que existe), (uma parcela enorme dessas pessoas não tem acesso à maioria das coisas que você sente), (você chora tanto por cada relação perdida e ninguém entende, ninguém), (você se arrepende dos erros como ninguém, mas não, as pessoas não sabem o quanto você se arrepende, o quanto você se dói por elas, por ter lhes causado dor, dói em você essa dor a elas), (será que elas nunca se arrependeram de nada?), (será que elas teriam noção do quanto palavras doem?), “se você não me entregar o seu currículo, eu vou tirar você do espetáculo”, “nossa, hoje é seu aniversário? nossa, desculpa!”, “você deveria ter falado de outra forma”, “foi a melhor palavra que encontrei pra dizer”, “você está visivelmente desconfortável para conversar agora”, (depois de ler o que não é verdade, você não estaria?”, (será que as pessoas não têm noção dos danos de causam?), (será que eu tenho noção demais dos danos que causo?), (será que eu me machuco demais?), (eu não mereço, tenho certeza), (eu não quero ver ninguém, não quero falar com ninguém, não me sinto bem mais perto de quem antes eu me sentia bem), (eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso […]); (preciso entender, de uma vez por todas, que não tenho culpa por isso), “se enterra viva”, “vocês não entendem”, “foda-se, foda-se, foda-se!”, “sai da minha casa agora”, “com razão, né”, (…).

Tudo isso dói em um lugar não tão distante, em um limbo muito próximo e não longe da superfície, perto demais do que toca nos cílios, perto demais do selvagem coração de mim, mas sei, eu sei, eu sei que a maior parte disso, deles, daquilo, de tudo, está longe, agora, e preciso compreender, como uma criança que teme o escuro e a ausência dos pais, preciso entender que sou um ser humano além disso, que não sou minhas dores, que não sou o que eu ouvi, que não sou que as pessoas disseram, em cada momento, em cada corte, em cada gole, em cada rasgo, em cada palavra de dor, em cada palavra de injustiça, em cada vez que escutei o que não mereci, que fiz o que não deveria, também, eu não sou o meu passado, eu não o meu passado, eu não sou o meu passado, eu não sou o que eles me dizem que sou, eu não sou o que eles me disseram, eu não sou a percepção deles, eu me perdoo, eu me perdoo, eu me perdoo, eu não sou, eu não sou, eu não sou, eu sou a chuva, a dor, a tempestade, ainda é cedo, não posso partir, eu ainda hei de ser e ser e ser, o rumo que tomarei, eu ainda sei, embora eu saiba que não estou resolvida e vejo-me cair em cada esquina, minha vida cai em cada dobrar de olhos, de cílios, em cada gotejar de folhas, e sei que as pessoas nos reduzem a pó, trituram-nos, tão mesquinhos, herdando o cinismo, as palavras malditas, não pensadas, sob goles e ódios, e o abismo se abre, se faz em cada memória, em cada som, em cada palavra que ecoa dentro de mim me fazendo criar este câncer que tenta, aos poucos, me destruir…

MAS NÃO VAI.

Tenho morrido muito desde 4 anos atrás e também o ano passado,

“mas este ano eu não morro”.

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