Meu amor por pinhas e pinheiros

Eu amo pinheiros, não tem nada a ver com o natal, não. Gosto do natal também – apesar de não haver nenhuma conexão religiosa, acho uma data bonita mas para aí. Mas sobre os pinheiros, gosto da forma como crescem, da raiz, do caule cheio de caminhos, os ramos que são finos e grossos… e tem as pinhas, ah, as pinhas! Elas têm um cheiro esplêndido, um cheiro de floresta, um cheiro de casa. Quando estou perto das pinhas sinto uma paz que chega nas minhas memórias mais genuínas, àquelas das quais só eu sei. Sabe essas memórias? Aposto que do lado daí você também as têm…
Então, quer dizer que as pinhas são mágicas, enfeitam minha casa, meus cômodos e quem sabe uma hora eu vou tatuar uma, porque são lindas, lindas. Mas não era sobre isso que eu queria falar, era sobre esta ruga de choro que tenho no meio da minha testa, eu comecei a desenvolvê-la lá pelos vinte e tantos anos, acho que chorei muito nessa vida: lendo romances, poemas, comentários horríveis e mensagens maldosas na internet; assistindo os mesmos filmes várias vezes e outros tantos; querendo ser compreendida por quem, na maioria das vezes, não estava nem aí; vendo a vida passar e os sonhos também; sentindo saudades; sentindo angústia; sentindo desespero; tantos e tantos outros motivos…né?! Mas tem os choros de alegria que, na verdade, ardem o nariz, sabe? Mas hoje eu olho pra essa ruguinha e acho que ela é tão especial. Eu poderia enfiar a cara na base ou no filtro, mas não. Nem estou aqui pra “pagar geral” sobre quem enfia a cara na base e no filtro (cada um faz o que quer com a própria cara, afinal), mas, eu só queria observar que é tão bonito olhar pra essas marcas que a gente tem pelo corpo e notar a vida que existe por trás delas, sabe?! Sempre fui muito chorona, tudo me emociona, e sempre ouvi tanta gracinha – desde “você chora por tudo” até “tá querendo chamar a atenção” – mas quase nunca eu senti alguma vontade de ser diferente disso. Era sobre isso que eu queria falar, sobre acolher a si mesma, perceber a própria sensibilidade e aceitar que tudo bem ser chorona, não sou pior do que ninguém por isso e não tenho que forçar o contrário. Como pinhas, lágrimas caem, embaixo do pinheiro e de nossas vidas… 🌲♥

Viver dói muito.

Dói viver desde o abrir dos olhos, ao cortar o cordão. Dói amamentar e dói também parir. Dói quando levam embora da sala de parto, dói quando volta – tamanha beleza e perfeição, dói. Dói a doçura, dói a imensa sensibilidade, dói a forma de ser e de olhar. Dói as dores que sente, dói as que sentirá. Viver dói em cada passo, quando crescemos, doem os ossos. Doem os dentes que caem e que crescem. Doem os cabelos que cortamos, as quedas que tomamos, os joelhos que ralamos, os amigos que perdemos. Doem os silêncios que ouvimos e que damos – mas também as palavras que jogamos quando não temos sabedoria para pensar melhor. As desculpas doem, os erros doem, as repetições…elas doem no âmago. Sobretudo porque nós não a queremos. Ir dói, quando se quer ficar. Não ir dói, quando se quer ir. Sonhar dói…ah, como dói quando o sonho existe em um plano distante do real. Como dói pensar que não se realizará… Dói quando trabalhamos muito e cansamos. Dói a fome. Dói ver o outro na miséria. Dói ver o outro sofrer e não poder fazer nada. Dói ver o outro chorar e não saber o que dizer. Dói ver o outro sorrir e querer sorrir também. Dói ver o outro julgar sem saber, falar sem entender, afirmar sem perceber que o que foi dito está sob uma única perspectiva que não necessariamente está correta. Dói ouvir o que não merecemos… dói não ouvir o que merecemos. Dói a ausência, a mensagem não respondida, a mensagem não lida, a ligação não recebida… Dói o parabéns não dado – o parabéns não escutado. Dói o aniversário desastroso, a viagem imperfeita, a batida que quebrou tudo…por fora e por dentro. Dói uma criança sem os pais, dói um adolescente não compreendido. Dói o escuro da solidão. Dói a mágoa e o arrependimento. Dói não poder voltar no tempo e dói tanto não poder adiantá-lo. Dói a queda do avião, dói o infarto no coração, dói ouvir não…e dói ouvir sim, também. Ouvir dói e não ouvir…é uma dor silenciosa. E o silêncio dói tanto… e também dói o barulho. E a falta de ambos dói e dói.
Dói repetir que dói, assim, tantas vezes… porque respirar dói, se você percebe cada centímetro de vida se esvaindo em cada instante…
E como a vida dói, a morte dói – só que mais, muito mais. A morte dói porque viver dói muito. E perder dói inteiro, todo o ser. Desde os olhos até a última unha. Dói perder e dói lutar para aprender a viver com a perda. Porque perder é não ter. E não ter é morrer. Não ter é como não viver.

O que resta, já que dói, é viver cada perder com amor. Porque o amor dura como o ar. E porque quando o ar acaba, morremos. Por isso, ame. Ame como se amar fosse a primeira e última coisa. Porque é.

Thay Bettini
02 de janeiro de 2022.

Encontrando o lado bom

Uma das melhores coisas da solidão é não ter ninguém para te julgar e apontar seus defeitos.

Todos têm defeitos mas, em relações de amizade e de amor, temos a mania de enxergar apenas os defeitos alheios. Na solidão, é possível enxergar os próprios defeitos, de acordo com cada manifestação do próprio pensamento, ainda que não se tenha com quem falar. Enxerga-se os próprios defeitos porque não há tempo para olhar para os defeitos dos outros – aliás, olha-se para os defeitos dos outros de longe, de modo que apenas se observa e nada se pode fazer, apenas aprender com eles.

Estar em uma relação é também manter-se só. Engana-se tanto quem pensa que estar em relações, sejam elas quais forem, te isenta da solidão. Não me esqueço da diferença entre solidão e solitude, não. Até porque, quando se trata de solitude, o caminho é mais agradável. Mas na solidão, é você olhando para o espelho, o tempo todo, e observando o seu próprio limbo, a sua própria dor, a sua hipocrisia, sem testemunhas.

A melhor parte disso é não ter testemunhas, o que te torna o maior dos solitários. Ainda que você tenha com quem contar e quem amar, não é possível, de maneira alguma, não é possível não ser solitário. Todos somos solitários. É irritante quem se acha tão bem acompanhado assim. Até quando estamos acompanhados somos, inevitável e naturalmente, sozinhos.

Mas existe um lado bom disso, além desses todos, o lado bom de se compreender, ainda que não se possa fazê-lo sempre, ainda que não se possa entender em todos os momentos. O lado bom é poder aprender consigo mesmo, poder entender de modo que ninguém te levou pelo caminho das pedras, a não ser tu mesmo.

“Torna-te quem tu és” é uma premissa surpreendentemente válida somente quando estamos de frente para nossa própria sombra, nossos próprios medos e fantasmas, nossos próprios limbos e nossa própria escuridão refletida em nós mesmos. Só podemos nos tornar quem efetivamente somos se sentirmos a dor de ser quem somos, solitariamente.

Apenas solitariamente.

É preciso

deixar a escrita vir;

deixar as pessoas irem;

empurrá-las um pouco, já que sabes da dificuldade;

virar as costas

e

não olhar mais

para trás;

pois você sabe que

fez o que podia

e até mais, BEM MAIS,

do que isso.

Então

VÁ!

Agora!

Não perca

mais

o seu

tempo;

não perca

mais

você;

não se perca

mais

de você;

encontre-se

enquanto

ainda há

tempo.

Vá.

Não

Eles dizem: produza. Escreva artigos, publique em periódicos, escreva textos urgentes de três, quatro, dez, quinze páginas e envie, envie, envie, envie até não acabar mais! Passe horas no computador, escrevendo, publicando, escrevendo, publicando. Poste nas redes sociais, tenha contatos e mais contatos, diga às pessoas o quanto você é uma pessoa consciente e inteligente. Faça mestrado, doutorado, faça concurso, do estado, da prefeitura, faça isso, faça aquilo, tenha, compre, seja, diga.

Não há tempo para sentir, o dinheiro não espera, já que todos estão doentes mentalmente. Não tenho tempo, esqueci de responder, são muitas mensagens, eu chorei muito, não importa. Não acredito em psicologia, eles só querem ganhar dinheiro, eu não isso, eu não aquilo.

E o meu tempo comigo? E o seu tempo contigo? E aquilo que você sonha, que te dá tesão, que você não passa um dia inteiro sem pensar?

Como fugir dessa doença social e produzir o que quero, como quero? Como sair dessa zona de desconforto que nos atira todos os dias para as armadilhas contemporâneas?

[Tentando ir para as trincheiras para ter tempo para pensar.]

Carta eletrônica de um ontem antigo

que ainda pode significar algo.

Ela escreveu:

“Serei brevemente sincera…
Eu já senti mais a sua falta.
Houve um tempo em que eu sofria pelos outros e quando me dei conta de que os outros não mereciam o
meu sofrimento – e esses “outros” incluem os meu até “melhores” amigos – começei a agir de outra forma.
Me afastei e deixei que a corrente levasse pra onde deveria levar.
Da maneira que éramos antes, talvez não fosse a maneira que deveríamos ser… por isso as vezes acho que
não sinto falta… pois é como se eu não tivesse vivido e aquilo fosse só uma coisa passageira…não acreditei que fosse durar.
Hoje eu sinto menos a sua falta, porque eu me acostumei muito à sua “ausência”.
Não te acho uma pessoa estranha. Acho que são obstáculos que você mesma cria com situações que poderia
tratar com mais simplicidade.
Todos nós temos defeitos e as vezes você parece esquecer-se disso. Você pode mudar: pode passar a ver
as pessoas de uma forma “não injusta” e pode ser menos orgulhosa. Isso não te recrimina.
Todos somos orgulhosos, as vezes falsos, as vezes tudo. Todo mundo é parecido quando se trata de sentimentos.
Não adianta nos maltratarmos. Você pode até pensar que não, mas eu aprendi isso bem.
Vou te dizer uma coisa de cabiçeira: o mundo é muito vasto e as pessoas são muitas perto da nossa imensidão interna,
que nos faz ter pensamentos, sonhos e outras coisas. Eu posso morrer amanhã! Então, o que posso fazer por mim hoje?
Isso pode até não fazer sentido pra você… mas quando puder, pense um pouco… você vai ver como a nossa vida muda…
Por isso que tento tratar as coisas com mais sutileza… isso inclui uma amizade como a nossa. Atos pequenos mudam muito.
Eu gostaria de coração que se preocupasse menos com as minhas atitudes, com os meus gostos… Isso é hipocrisia, é
preconceito… e amizade não tem disso. Estou falando numa boa…
Apesar de eu falar o que falo, pensar o que penso sobre religião e outras coisas, sempre respeitei todas as pessoas
sem impor limites com elas… conheço uma infinidade de pessoas diferentes e nunca pedi a ninguém que mudasse sua
índole. Então, aprenda mesmo a lidar com suas limitações porque eu não mudarei o meu interior por você nem você mudará o seu por mim. Concorda?
Amizade é respeito. Ninguém é obrigado à aceitar ninguém, é pra isso que existe o afastamento.Mas amigos sabem dar tempo ao tempo.
Mesmo que seja sofrendo, a gente espera. Porque a gente sabe que as vezes precisa ficar um pouco só com nós mesmos… Não acha?
Podemos perdoar uma à outra, mas jamais esquecer. E acho que seremos guerreiras se conseguirmos retomar uma boa
amizade depois de tudo isso.

Tentarei com muita força e gratuidade, em tudo o que puder, pra que tudo se resolva, se tiver de ser resolvido.
E tentarei acreditar de corpo e mente que minha amizade vale tudo isso.

Abraços.”

[Sem correções, apenas pensaremos na presentificação das palavras.]

Quando me dei conta, fui quem

Sei que aceitar o nascer é fácil e acaba que aceitar a morte também. O que nos é difícil é aceitar o que está entre os dois: a vida em si. A naturalidade das coisas, as coisas óbvias, não nos são, muitas vezes, tão óbvias assim. Somos guerreiros: com nós mesmos, todos os dias. Lutamos com o espelho e com nossas palavras, nossos corpos, sentidos. ____, cada dia não é fácil, não acaba ali e se leva. Não tenho muito o que compartilhar com você senão: é assim. Vamos viver enquanto há tempo, corremos feito loucos para um drama criado por nós mesmos quando damos de cara com essas dores que inventamos – inventamos não quer dizer que sejam banais. ____, o mundo é um moinho. Se não soubermos encaixá-lo em nós e vice-versa ele nos engole, nos destrói. Vamos celebrar o que der, chorar pelo que der, mas nunca adiar o que não tem necessidade. Vamos viver um dia de cada vez, não é isso? Pois se um instante é tão longo assim, porque iríamos ignorá-lo?

Eu não estou te arranjando soluções, é só um abraço. Até porque eu jamais conseguiria.

Te amo.

[Amei, não mais. Se bem que dói, quando leio.]

(da poeira do passado)

Tudo o que aqui escrevo é resultado da dor

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor, tu herdarás só o cinismo
Quando notares, estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés

(Cartola)

No meu silêncio e na penumbra, onde lá dormem todos os fantasmas acordados por demônios em cada manhã, acordados por cada distância de quem disse que estaria por perto, por cada esquecimento, cada promessa não cumprida, cada julgamento por estar “indisposta” de quem disse que entendia, cada silêncio, vácuo, resposta nunca recebida, parabéns nunca escutado, “você nunca tem tempo”, “eu sabia que você não estaria aqui”, “parece que o que você diz muitas vezes não tem sentido”, “você não entende”, “sua situação é diferente da minha”, “pra você é mais fácil”, “você tem uma pessoa em quem se apoiar”, “você tem amigos, no meu caso…”, “tenho casa, cama, água e comida, está tudo bem”, “não te chamo mais pra nada”, “você nunca pode”, “geralmente é você quem nunca pode”, “eu não concordo com tudo o que você diz”, “eu não concordo”, “eu já sabia”, “eu sonhei com ela”, “você não sabe o que eu estou passando”, “você é um ser humano podre”, “eu sempre confiei em você”, “você foi a primeira pessoa que eu recebi em minha casa”, “você poderia ter falado de outra forma”, “você é a única pessoa que eu enviaria uma carta”, (eu vou fingir que você fez uma longa viagem e vai demorar a voltar), “é por isso que a sua vida não vai pra frente”, “eu não tô entendendo”, “eu tô muito chateada com você, e é COM VOCÊ”, “não liga pra isso, não, vai ficar tudo bem”, “você não precissa se preocupar com isso, não”, “você é muito complicada”, “por que você tá chorando?”, “ai, chora pelo meu também”, “sim, eu me apaixonei por ela, mas passou”, “sua mãe não é o que você pensa”, “eu conheço ela há 40 anos”, “eu tenho mais experiência do que você”, “tive uma amizade tóxica”, “você é um ser humano podre”, (não, eu sei que não somos perfeitos e não se trata disso, mas se trata de a maioria das pessoas com as quais você se envolve nunca reconhecerem que você está dando o melhor que pode desde que existe), (uma parcela enorme dessas pessoas não tem acesso à maioria das coisas que você sente), (você chora tanto por cada relação perdida e ninguém entende, ninguém), (você se arrepende dos erros como ninguém, mas não, as pessoas não sabem o quanto você se arrepende, o quanto você se dói por elas, por ter lhes causado dor, dói em você essa dor a elas), (será que elas nunca se arrependeram de nada?), (será que elas teriam noção do quanto palavras doem?), “se você não me entregar o seu currículo, eu vou tirar você do espetáculo”, “nossa, hoje é seu aniversário? nossa, desculpa!”, “você deveria ter falado de outra forma”, “foi a melhor palavra que encontrei pra dizer”, “você está visivelmente desconfortável para conversar agora”, (depois de ler o que não é verdade, você não estaria?”, (será que as pessoas não têm noção dos danos de causam?), (será que eu tenho noção demais dos danos que causo?), (será que eu me machuco demais?), (eu não mereço, tenho certeza), (eu não quero ver ninguém, não quero falar com ninguém, não me sinto bem mais perto de quem antes eu me sentia bem), (eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso, eu não tenho culpa por isso […]); (preciso entender, de uma vez por todas, que não tenho culpa por isso), “se enterra viva”, “vocês não entendem”, “foda-se, foda-se, foda-se!”, “sai da minha casa agora”, “com razão, né”, (…).

Tudo isso dói em um lugar não tão distante, em um limbo muito próximo e não longe da superfície, perto demais do que toca nos cílios, perto demais do selvagem coração de mim, mas sei, eu sei, eu sei que a maior parte disso, deles, daquilo, de tudo, está longe, agora, e preciso compreender, como uma criança que teme o escuro e a ausência dos pais, preciso entender que sou um ser humano além disso, que não sou minhas dores, que não sou o que eu ouvi, que não sou que as pessoas disseram, em cada momento, em cada corte, em cada gole, em cada rasgo, em cada palavra de dor, em cada palavra de injustiça, em cada vez que escutei o que não mereci, que fiz o que não deveria, também, eu não sou o meu passado, eu não o meu passado, eu não sou o meu passado, eu não sou o que eles me dizem que sou, eu não sou o que eles me disseram, eu não sou a percepção deles, eu me perdoo, eu me perdoo, eu me perdoo, eu não sou, eu não sou, eu não sou, eu sou a chuva, a dor, a tempestade, ainda é cedo, não posso partir, eu ainda hei de ser e ser e ser, o rumo que tomarei, eu ainda sei, embora eu saiba que não estou resolvida e vejo-me cair em cada esquina, minha vida cai em cada dobrar de olhos, de cílios, em cada gotejar de folhas, e sei que as pessoas nos reduzem a pó, trituram-nos, tão mesquinhos, herdando o cinismo, as palavras malditas, não pensadas, sob goles e ódios, e o abismo se abre, se faz em cada memória, em cada som, em cada palavra que ecoa dentro de mim me fazendo criar este câncer que tenta, aos poucos, me destruir…

MAS NÃO VAI.

Tenho morrido muito desde 4 anos atrás e também o ano passado,

“mas este ano eu não morro”.

Tempestade anunciada

Mundo estapafúrdio
que eu repudio.
Sinto nas pregas das costas
a dor de existir agora.
Pouco aproveito,
insisto na negação,
na prisão de estar nele
desejando estar longe
[“Longe, longe, outra estação”].
O nó na garganta
na imanência de emergir
com a tempestade
que se auto-anuncia:
relâmpagos, trovões,
céu maravilhosamente cinza,
o canto das nuvens sobre nossas cabeças
e os tiros da natureza que
amarelam o céu e amedrontam
a quem tem medo da chuva.

Mas eu não.

Não tenho medo.
Resisto
(porque tenho que fazê-lo)
e insisto
e não morro
(não ainda).
E não quero:
morrer ou ter que resistir,
mas,
preciso tanto
como os peixes precisam da água,
como os pássaros precisam do céu,
como a chuva precisa cair das nuvens,
como o sol precisa ser quente,
como as plantas precisam estar e(ntre)m nós.

Mas corta-me.
Existir corta-me,
danço caretas de mim
que tanto cansam
há tantos anos
com tanta força
e tanto esforço
em não fazer,
não ser,
mas
eu nunca consegui
(e sofri tantas vezes por isso).

Continuo.
Porque cortar-se
arde
e
no arder-se
corta-se de novo
já que, diariamente,
e impossível fugir
literalmente.

E ainda.

Mas vejo um brilho de um sol de inverno,
uma brisa de primavera com cheiro de flores silvestres,
sinto o ar gélido de um outono calmo
e sinto a textura das folhas mortas
e úmidas pelo chão.

(Do norte.)

Viverei para ver, para sentir, para poder dizer que estive lá e que vivi o que

preciso
busco
penso
mereço
desejo
choro
sinto
espero
corro,

porque sem isso,
sem isso eu,
sem isso eu não,
sem isso eu não me sei,

eu não sei viver
e não posso,
não quero.

Não dá.


Thay Bettini